Como estudar para o Enem

12/13/2010

Provas dos dias 6 e 7 de novembro deixam a decoreba de lado e cobram conteúdos mínimos necessários ao aprendizado de outros novos

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) se consolidou. Cerca de 120 mil vagas em instituições de ensino públicas serão distribuídas, por ano, usando só o aproveitamento nesta prova. Se somarmos as cerca de 200 mil vagas anuais do Programa Universidade para Todos (ProUni) e as vagas das instituições públicas que vão usar a nota de forma parcial, chegamos a mais de 350 mil vagas. É mais do que 30 vezes o número de vagas disponíveis no vestibular da Fuvest, o maior do País.

O fortalecimento do Enem tem mudado a rotina dos estudantes. Por todos os Estados, escolas particulares tratam de arrumar uma forma de preparar melhor os seus alunos. É comum encontrarmos as famosas aulas extras para o vestibular, fora do horário convencional, agora destinadas ao Enem. Cursinhos pré-vestibular transformam-se em cursos “Pré-Enem”. As livrarias, as bancas e os sites de venda foram invadidos com novos materiais prometendo preparar o aluno para a prova.

Estudantes preocupados em ocupar uma destas vagas agora se dedicam a estudar para o Enem. Uma rápida busca pela palavra “Enem” no twitter demonstra que muitos candidatos levam a sério a necessidade de estudar para a prova. Alguns preferem estudar por conta própria. É importante lembrar que parte significativa dos candidatos já saiu do ensino médio.

Isto demonstra que a sociedade compreende ser o Enem uma prova diferente do vestibular convencional. Se não a reconhecesse como diferente, não existiriam tantas iniciativas dizendo-se “especializadas” no exame. Isto vem ao encontro com a idéia central do novo Enem, que é induzir mudanças no ensino médio. O esperado é que as iniciativas favoreçam uma educação focada na compreensão de fenômenos, na resolução de problemas, na construção de argumentação e na elaboração de propostas éticas pelo educando, tal qual será cobrado nas questões que aparecerão na prova.

Apesar de reconhecer a prova como diferente, o conjunto da sociedade, e até mesmo a maioria dos educadores, não sabe o que significa esta diferença. As aulas extras das escolas particulares, as aulas de reforço para o Enem oferecidas por algumas prefeituras, os novos materiais didáticos, os cursos pré-Enem e várias outras iniciativas, fora raras exceções, estão repletas do conteúdismo e da “decoreba” inútil do Ensino Médio e com pouquíssimo dos eixos cognitivos propostos pelo exame.

A prova cobrará sim alguns conteúdos. Eles são aqueles relacionados ao domínio das linguagens da natureza, da matemática e das humanidades. Para ficar mais fácil de entender, o Enem considera importante que você tenha o domínio dos conteúdos mínimos necessários para que possa aprender outros conteúdos, quando isto for necessário.

Vamos a alguns exemplos. Você, todos os dias precisa ler algum texto, conversa com outras pessoas, vê placas com símbolos e escuta música. Para entender tudo isso é importante conhecer os códigos criados pelo homem, como o português e outras formas de se comunicar.

Você acompanha quantos votos o seu candidato teve, quantos pontos seu time acumulou no campeonato, a quantidade de caixas de leite no armário, calcula quantos azulejos serão necessários para a reforma da cozinha e quanto irá gastar se precisar usar seu cheque especial. Para isto, é necessário conhecer os números, ler gráficos e tabelas e saber os conceitos de metro cúbico e juros compostos.

Aí você recebe um dinheiro extra e resolve fazer umas compras. Entre duas TVs de mesmo preço, resolve comprar a que gasta menos energia. Para isso, precisa conhecer ou ter a capacidade de aprender o conceito de KW/H e o de comparação de medidas. Vai para casa e, com sede, resolve tomar água. Para o bem da saúde pública de sua comunidade é importante que compreenda o ciclo da água.

Estes são alguns dos conteúdos exigidos. São, somente, aqueles necessários para aprender outros conteúdos. Isto é muito menor do que os programas curriculares das escolas de ensino médio. Estudar mais do que isto não faz sentido. Em relação ao conteúdo, o Enem quer saber se você é capaz de aprender, e não se você conhece todos os conteúdos existentes no mundo. Quem aprende certa quantidade de conteúdos prova que é capaz de aprender outros, quando isto for preciso. Esses conteúdos mínimos, que serão cobrados, estão listados na matriz de Competências e Habilidades do Enem.

O Enem divulgou também uma outra matriz, a de Conteúdos, que só serve para confundir educadores e estudantes. Sem sentido dentro da perspectiva de indução de mudanças no ensino médio, essa matriz é basicamente a cópia dos índices de materiais didáticos e de sistemas de ensino. A confusão aumenta por que o próprio ministro da Educação deu declarações, no ano passado, dizendo que o que ia cair na prova era o que se aprendia dentro das salas de aula.

Ele até tem razão se pensarmos que toda questão tem um conteúdo. O que falta o Ministério deixar claro para todos é que a maior parte dos conteúdos que vão aparecer na prova não precisa ter sido acumulado pelos candidatos. Na maior parte das questões, o conteúdo só servirá de pano de fundo para a interpretação, para a resolução de problemas ou para a demonstração da postura ética do examinado.

Existe um alento para aqueles que vão prestar o Enem e que até aqui estudaram conteúdos desnecessários e não fizeram atividades que desenvolvessem os eixos cognitivos capazes de orientar a resolução de situações-problema. Até agora existe uma enorme correlação entre as notas obtidas nos vestibulares convencionais e no Enem. Isto quer dizer que, na maioria dos casos, quem tem notas altas nos vestibulares convencionais tem nota alta no Enem e quem tem notas baixas nos vestibulares tem nota baixa no Enem.

 

Artigo, meu, publicado no IG Educação no dia 30/09/2010.

USP cada vez mais distante

12/13/2010

Mais de 65% dos candidatos a uma vaga na instituição estudaram integralmente em escolas particulares

De pouco adiantou a oferta de isenções da taxa de inscrição da Fuvest para alunos de escolas públicas, o programa de Embaixadores e o tímido INCLUSP (Programa de Inclusão Social da USP). Mais uma vez, os dados mostram que a maior parte dos candidatos às suas vagas estudou, total ou parcialmente, no estudo básico, em escolas particulares.

Mais de 65% dos candidatos deste ano só frequentaram escolas particulares. Se somarmos aqueles que passaram parte do ensino básico em escolas particulares aos que estudaram fora do Brasil, temos quase 72% dos candidatos.

O baixo número de candidatos advindos de escolas públicas na FUVEST tem um motivo simples e claro. Ano a ano, os jovens de menor renda sentem que a USP é uma realidade cada vez mais distante. A esmagadora maioria destes estudantes não se sente “habilitado” para prestar seu vestibular e frequentar suas salas.

Vários são os motivos. A USP realmente tem se comportado como uma instituição elitista. Em uma de suas últimas tentativas de inclusão, criou um campus na Zona Leste. A lógica daqueles que planejaram a nova escola era de que parte dos moradores de áreas mais “nobres” não estaria disposto a fazer um curso em um bairro da periferia. Os resultados não foram bem estes. A USP da Zona Leste está muito mais para uma “USP Ayrton Senna”. É muito mais rápido para quem mora no centro ou no Jardins chegar até lá do que para quem mora em uma das áreas periféricas da cidade. E, além de tudo, a unidade é uma ilha, em que não é permitida a entrada nem mesmo aos moradores de bairros vizinhos.

O número de vagas também tem deixado a desejar. O Estado de São Paulo tem pouquíssimas vagas em Universidades Federais. Este número tem ampliado um pouco por causa do REUNI e da criação da UFABC, mas é, proporcionalmente ao número de habitantes, um dos menores do Brasil. Restou às públicas estaduais oferecer mais vagas.

A USP é a que tem mais vagas. Desde 1989, as estaduais paulistas possuem vinculação orçamentária. Hoje, 9,57% do valor arrecadado com o ICMS vão para elas. Isto quer dizer que quando a arrecadação cai os recursos diminuem, e que quando a arrecadação sobe eles aumentam. Vinte anos atrás, quando começou a vinculação, a USP oferecia 6.780 vagas. Hoje oferece 10.652. Neste período, a arrecadação de ICMS mais do que dobrou, os recursos para a Universidade aumentaram, a população de São Paulo e do Brasil cresceu e o número de vagas não acompanhou essas mudanças.

Em alguns cursos, é quase impossível um aluno de escola pública passar. Em direito, medicina, relações internacionais e jornalismo, só encontramos alunos advindos de umas poucas escolas particulares tradicionais.

Depois da criação ProUni, o aluno do Ensino Médio da rede pública começou a notar que é muito mais fácil ele conhecer alguém que está cursando uma Universidade Particular sem pagar do que cursando uma pública. O sonho do Ensino Superior sem custo, e a consequente conquista de um bom emprego, deslocou-se da esperança de passar na USP para a possibilidade, muito mais plausível, de obter uma boa nota no ENEM e ganhar uma vaga no ProUni.

O cômico, ou absurdo, da situação, é que a reitoria da Universidade apresentou nesta semana a proposta de extinguir os cursos de menor concorrência (baixa demanda, nos termos da Universidade). Ora, são justamente estes os cursos em que a maioria dos alunos vêem do ensino básico público.

Artigo meu, publicado, no IG Educação, dia 29/09/2010.

O ENEM no Twitter

11/08/2010

O primeiro ENEM da era do Twitter. Em 2010 o micro blog ganhou milhões de adeptos no Brasil. Em poucas palavras, as pessoas podem mandar seus recados e suas opiniões. O Twitter foi até tema de uma das questões do ENEM deste ano. E por meio do Twitter podemos entender melhor o que estudantes do Brasil inteiro estão pensando dos dois dias de prova, praticamente uma maratona, e de todos os problemas da prova. Confira o que disseram, para esta coluna, alguns dos tuiteiros :

@JheyLouzada achei a prova de mat. facil, mas pra quem fez as contas nao dava tempo msm, eu chutei varias de port. por causa do tempo ;/

@brunaalline me revoltei com o enem, tinha muito interpretação e pouca gramática , e em matemática , não tinha espaço para os cálculos

@Renato_dnb Nao tinha espaço pra fazer as contas…genial o inep…

@BethLyzBrasil O #TWITTER TEVE DESTAQUE NO ENEM…

@yaas_ não foi nada ético, direito de imprensa tem limite… mas imagina os que ficaram quietos e conseguiram google pra prova!

@leozingoo não tive problemas com tempo, tive com a falta de rascunho. minha carteira ficou TODA rabiscada! E hoje tava facil mesmo

@Jeessicca_ é na metade da prova tive q fazer a redação e nao consegui responder todas as de matematica =

@JeehIngrid Não tinha lugar pra rascunhoo ¬¬ ! Eu precisava de rascunho !

@kesia_mylove É muito pouco o tempo pra resolver tudo!!!!!Não dá!!!!!

@JeehIngrid Era pura interpretação de texto ! P.S : O celular da fiscal , tocou na sala ¬¬

@pricasouth reclamações só aumentou. Prefiro o enem como era. Digno 1 dia d prova e mto mais acessivel.

@miilena_almeida Achei que ciências da natureza estava bem difícil em relação aos anos anteriores .. Faltou questões interpretativas

@nayrabaruch No caderno amarelo faltava questões e muitas vezes repetiam as mesmas! O Enem todo ano tem uma palhaçada. #Vergonha

@Real_franklin Aprendi que estou mais fora de ritmo que o Ronaldo, ele aguenta os 90 minutos, e eu só as primeiras 45 questões ;x

@oliviatavaress A ideia realmente é muito boa, mas falta planejamento e comprometimento de quem se diz responsável pelo exame.

@CarolRodriguesC Preocuparam tanto com segurança da prova e esqueceram da organização né ? Brasil é isso ai mesmo. Vergonha!

@Erika_Barreto otiiima, digo o mesmo, presidente do INEP pede pra sair! kkkkkkkkkk

@TheBriBridget Não basta estudar o ano todo, usar a lógica, o raciocínio…tem que advinhar a resposta que o Enem quer. Decepção total!

@liviamedella o ENEM deveria ser cancelado!Com certeza muitas pessoas se prejudicaram… UMA VERGONHA!

@iesagrasielly EU ESCOLHI INGLES E MINHA PROVA VEIO ESPANHOL

@kesia_mylove Nossa eles deviam aumentar o tempo para fazer a prova com mais calma!!É muita questão pra pouco tempo

@vanalyaviana Aprendi no enem que errar é humano, mas errar mtas vezes é inep!

@Nanitta enem e a unica prova do mundo que as questoes de matematica num espaço pra rascunho mas as espamhol tem!

@Patricknx exites 3 tipos de questões: as fáceis, as difíceis e as de química.

@nyllany Pq q humanas tinha rascunho e matematica ñ?!

@RenataNCoelho onde que eu acho o gabarito?

@zehh_ 2 folhas de rascunho pra ciências da natureza. nenhuma pra matemática.

@jessicabial Enem, prova de interpretaçao,raciocinio logico, paciencia e resistencia !

@Abtoledou No enem você escolhe prioridades: ou vai bem em uma matéria ou em outra. É impossível responder com qualidade a ambas.

@KAAH_OLIVEIIRA os estudantes se erram perdem nota,o inep erra e o que     acontece? Erra mais uma vez

Ressaca de prova

11/08/2010

Passado o primeiro dia da prova do ENEM 2010, alguns alunos, considerando os depoimentos, nesta manhã, nas redes sociais, parecem passar por um tipo de ressaca moral.

Ontem, na declaração dada pelo presidente do INEP, dava a impressão que os fiscais de prova e os coordenadores de escolas são pessoas que trabalham há anos com vestibulares, ou que passaram por um treinamento intensivo, inclusive com simulação de situações problemas.

Não é esta a realidade. Em geral, os coordenadores são membros da direção das escolas. Vale lembrar que em alguns estados do Brasil, o diretor de escola ainda é cargo de indicação política, protegidos do deputado ou do prefeito local. São estes coordenadores que escolhem os fiscais. Alguns escolhem com critérios de competência e capacidade, mas outros ajudam os amigos a terem uma renda extra no final de semana.

Calculo que tínhamos quase 100 mil salas fazendo a prova do ENEM e mais de 200 mil pessoas trabalhando no exame. A forma de aplicação da prova em cada escola, e por vezes em cada sala, é bem diferente. Houve lugar em que os alunos puderam entrar com lápis, borracha e relógio. Quem obedeceu ao edital preferiu não levar o celular para não ter problemas. Onde o celular foi levado, simplesmente pediu-se que ele fosse desligado. na maioria das salas não pediram o cartão de confirmação de inscrição, e varias pessoas passaram horas tentando imprimi-lo no site do INEP.

O “Efeito Cascata” que a ordem do MEC de seguir marcando o gabarito de 1 a 90, como estava no caderno de questões, não tinha como acontecer. Algumas escolas usaram o bom senso e começaram a prova às 13 horas, esperando a posição oficial do MEC. Algumas ficaram esperando a orientação do que fazer para começar a prova, e tivemos atrasos que contribuíram para o aumento da carga física e psicológica que os alunos precisam enfrentar nestes dois dias. Outras preferiram julgar o que fazer, ou simplesmente não entenderam as orientações do MEC, e orientaram os alunos a marcar a questão 1  do caderno a partir da 46 do gabarito e a questão 46 do caderno a partir da 1 do gabarito.

O problema acima é fácil de resolver. Melhor até do que esperar que os candidatos façam o pedido de correção invertida pela internet, o MEC poderia corrigir a prova das duas formas e considerar a que o candidato acumular mais pontos. Se não for assim, muitos candidatos vão se esquecer de pedir e outros, por terem pontuação baixa, vão deixar de fazer o pedido. Com alguns candidatos não pedindo a correção invertida, certamente teremos impacto no resultado médio das escolas no ENEM. A avaliação das escolas de Ensino Médio, que já não é perfeita, ficaria pior.

Agora, há um problema de difícil resolução e que precisa ser enfrentado. Muitas pessoas não tinham mais de 10 questões em seu caderno e tiveram que deixar parte do gabarito em branco. Minha impressão é que o MEC e a própria imprensa tem tratado isto como uma questão isolada. Não é isolada,por que não são poucos os casos, e mesmo que fosse um só, a pessoa que cumpriu as exigências do edital tem que ter seu direito individual de fazer a prova e de concorrer a uma vaga, no PROUNI, no SISU ou nas escolas que selecionam usando parcialmente a nota, preservados.

Para hoje devemos ter uma prova mais tranquila. Em Linguagens e Códigos, a prova terá muito mais interpretação de textos, de  imagens e de quadrinhos. O problema fica por conta de Língua Estrangeira, que muito candidato não lembra qual escolheu e o MEC faz de conta que não sabe do problema. Espero que o gabarito indique isto, senão teremos mais polêmica hoje. A prova de matemática exigirá muito raciocínio lógico e irá abusar de gráficos e tabelas, mas terá alguns conteúdos mínimos. Os conteúdos serão geometria, sistema internacional de medidas, grandezas, regra de três, porcentagem e juros, álgebra, probabilidade e estatística.

Para a redação, no IG tenho um texto com orientações para fazer uma boa dissertação. Sugiro que o aluno faça primeiro a prova e depois a redação. Sobre os possíveis temas da redação, que é a pergunta que mais tenho recebido, lembro que o ENEM sempre irá cobrar um tema relacionado a uma das competências exigidas na prova objetiva.

Considero quatro as grandes áreas que podem fornecer tema para a redação. Primeiro, as questões de cidadania e direito. As regulamentações da Constituição de 88, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto da Igualdade Racial e Código de Defesa do Consumidor, e as conquistas da organização popular, como a lei Maria da Penha, ganham destaque.

Depois, meio ambiente. Aquecimento global, fontes de energias alternativas, preservação de recursos naturais e destinação dos resíduos sólidos (lixo) são os destaques.

Além disto, pode aparecer um tema relacionado à saúde pública no Brasil, principalmente comparado a países onde não há sistema internacional de saúde, e tema relacionado a tecnologias da informação, com destaque para o papel da internet na democratização da informação e da discussão do futuro da mídia impressa (jornais).

A Educação e o Debate Eleitoral

10/28/2010

Apesar de o processo eleitoral de 2010 ter exigido que os candidatos apresentassem programas de governo no ato do registro da candidatura, os dois presidenciáveis que disputam o segundo turno apenas “fingiram” ter entregue suas propostas. Dilma enviou ao TSE um documento e, em seguida, o trocou por outro, menor e mais ameno. Serra encaminhou a cópia de dois discursos.

A falta de projeto se repetiu nos debates eleitorais e na propaganda da TV, causando a desconfiança de que os dois maiores partidos do Brasil não têm projeto para o País e protagonizam uma eleição do “não-debate”.

Na área de educação, não foi diferente. Apesar de todos repetirem que vão priorizá-la, melhorar a qualidade de ensino, aumentar o número de vagas e valorizar o professor, o fazem de forma genérica, sem comprometimento e poucas vezes indicando como cada ação será viabilizada. Falam para a plateia, a espera das palmas.

Um exemplo da pobreza do debate é a questão do ensino profissionalizante, o tema relacionado ao ensino mais abordado por candidatos. Serra e Dilma defendem, sempre que possível, uma significativa ampliação do ensino técnico e tecnológico.

Há alguns anos, discutia-se qual seria a função da educação. Preparar os alunos, na escola pública, para a vida em sociedade ou para o mundo do trabalho? Em geral, educadores de esquerda defendiam uma educação direcionada para a vida em sociedade, e professores adeptos ao neo-liberalismo defendiam um ensino que preparasse os alunos para ocupar uma posição no mercado de trabalho.

Nas eleições brasileiras, parece que a dicotomia foi resolvida. Não vimos candidatos defenderem a educação como um valor em si. Agora, os dois  defendem uma educação que há pouco tempo qualquer educador de esquerda condenaria. E fazem isso porque sabem que a população mais pobre e parte da classe media vê a educação profissionalizante como forma de ascensão social, o que é uma perversidade.

A educação profissionalizante não tem condições, por si só, de gerar empregos. Sem mudar a macroeconomia, os empregos serão os mesmos. Pouquíssimas empresas deixaram de investir no Brasil por falta de mão de obra qualificada. No ABC paulista, a expansão de cursos profissionalizantes do SENAI acabou por colocar no mercado mais mão de obra que a demanda, provocando a queda nos valores médios dos salários. O Programa Primeiro Emprego, do governo federal, dava um curso de qualificação, mas encaminhou apenas uma pequena parte de seus alunos, de fato, para o primeiro emprego., sendo que as vagas que ocuparam já existiriam mesmo sem o programa.

E a prática impede que a pessoa voe mais longe. Um aluno advindo do ensino público que faz um curso técnico e conquista um emprego que paga R$ 2.500 por mês tende a se dedicar a aquela carreira. Ele dificilmente tentará ser advogado, administrador, médico ou ter outra profissão que possa lhe dar uma renda maior. Nada contra o ensino técnico, mas ele não pode ser a única opção para o jovem, e muito menos a única opção de ensino público de qualidade.

Enquanto isso, temas ligados à educação que deveriam ser discutidos nestas eleições, são deixados de lado. A sociedade fica sem saber o que pensam os candidatos e o que se pode esperar.

Financiamento da Educação
O FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) foi uma conquista. Hoje ele pega parte da arrecadação dos Estados e municípios e redistribui as receitas conforme o número de alunos matriculados em cada estado ou município.Mas ainda é preciso avançar. A participação do governo gederal no fundo precisa ser ampliada. Os recursos para as Universidades Federais precisam ser vinculados. Em São Paulo, por exemplo,  9,57 %  do arrecadado com o ICMS vai direto  para os caixas da Universidades Públicas do estado. Poderíamos garantir, na constituição, que parte das receitas geradas pelo Pré-Sal fossem direto para a Educação.  Um percentual mínimo do PIB a ser investido em Educação é uma coisa interessante. Plínio, o candidato que trouxe alguma emoção para os debates do primeiro turno, propunha 10%. Marina, que venceu perdendo, defendia 7%. Hoje gastamos cerca de 5%.

Ensino básico
Os currículos do ensino básico precisam ser menores e deixar espaço para a inclusão de questões ligadas à região dos alunos. Os gestores de educação locais precisam deixar de cumprir o papel de simples executores das políticas e passar a influenciá-las e, até mesmo, formulá-las. Em geral alunos de licenciatura de Universidade Federais se formam e passam a trabalhar em escolas privadas. Que tal todo aluno que fizer faculdade pública ter que dedicar parte da carreira ao serviço público ?

Educação infantil
A educação infantil precisa cumprir sua obrigação constitucional. A todo cidadão é garantido o direito de uma vaga, mas muitos só vão consegui-la se apelarem para a Justiça. O governo federal precisa facilitar o acesso e garantir o financiamento para os municípios.

Ensino Médio
O Ensino Médio precisa ser reformado. Hoje ele é chato e desinteressante. A maior parte de seus conteúdos não tem função nenhuma. Precisamos romper com a ditadura do livro didático e das apostilas. Eles engessam o trabalho dos professores e não contribuem para a formação de um aluno cidadão e autônomo.

Ensino Superior
O acesso ao Ensino Superior público precisa ser repensado. Se esta escola não consegue ser para todos, ela precisa cumprir a função de fomentar a pesquisa para o desenvolvimento humano e econômico do país. Para tanto, precisa receber os melhores talentos do Brasil. Da forma que seleciona, isso não ocorre, mas atrai os que se adaptaram à nossa escola atrasada e que respondem bem a testes de alternativas.

As universidades federais precisam continuar ampliando o número de vagas, mas o Estado não pode permitir que os novos cursos e vagas e as novas universidades tenham qualidade inferior ao tradicional ensino público superior. Não pode um curso, só por estar em uma cidade pequena, contar com “cuspe e giz” e mais nada. Alem disso, precisamos ter um numero de alunos por professor no mínimo razoável. Hoje, o número de alunos por professor, nas escolas públicas de ensino superior, é muito pequeno.

O acesso ao crédito (FIES) e a cessão de bolsas (PROUNI), pelo governo, para um aluno estudar em uma escola superior privada precisam também ser amplamente discutidos. O melhor é financiarmos instituições particulares ou ampliarmos vagas em nossas federais?

O ENEM deve continuar ou não seu caminho de substituir os vestibulares? Se continuar, é fundamental tomar as providências para que sua capacidade de induzir mudanças no ensino médio, incluindo o desenvolvimento de eixos cognitivos e competências em contraposição ao ultrapassado ensino conteudista, seja otimizado.

Novas tecnologias
As novas tecnologias são fundamentais para o processo educativo. Acesso a internet para todos é o mínimo que o governo precisa garantir. Lembro que a Finlândia colocou na sua constituição o direito à internet de um mega para seus cidadãos. No Brasil, nove bilhões de reais do FUST (Fundo de Universalização dos Sistemas de Telecomunicações) repousam nos cofres do governo. Este dinheiro é descontado cobrado, todo mês, desde 2001, nas contas de telefones de todo brasileiro e até hoje não foi usado pra nada.  Seriam suficientes para universalizar o acesso à internet em banda larga.

Estes são alguns dos temas, em educação, que deveriam ser debatidos pelos candidatos. Ainda há tempo, mesmo que pouco, para estes debates. Vamos ver o que será da campanha nos próximos dias. Espero muito que Educação profissionalizante não continue a ser o único tema da área a ser tratado.

Por que o Enem tem apresentado tantos problemas?

08/31/2010

(texto publicado no Portal IG, Educação. dia 17 de agosto de 2010)

Clipping Educacional – Home iG Último Segundo
Objetivo do MEC com a prova é induzir mudanças no ensino médio, mas algo parece não estar dando certo
O Ministério da Educação (MEC) propôs, no ano passado, que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) substituísse o vestibular nas universidades federais e trabalhou para convencer estas instituições.
Este ano, pelo menos 36 delas devem selecionar exclusivamente com o exame, enquanto as outras 23 usarão a nota pelo menos parcialmente. O principal objetivo do MEC com a prova não é a centralização do vestibular, mas induzir mudanças no ensino médio.
Como o Enem pode reformar o ensino médio? Fácil. Com um vestibular que cobra competências e habilidades, as escolas perceberiam que seus currículos não têm muito sentido. Aos poucos, seria abandonada a educação bancária e conteudista, que força a ?decoreba? de conteúdos infinitos. Em seu lugar, apareceria uma educação comprometida em fazer o aluno aprender a ?conhecer?, a ?fazer?, a ?ser? e a ?conviver?.
A ideia realmente é muito boa, mas algo parece que não está dando certo. A sensação que dá, após tantos e tantos problemas associados à prova, é de que algum ?iluminado? ? talvez o próprio ministro ? tenha encontrado o caminho para uma educação de melhor qualidade, mas
esqueceu de combinar com o resto do time.
Realmente, uma reforma deste porte na educação tem muitos adversários. Entre eles, o conservadorismo, as estruturas burocráticas dos velhos vestibulares e os vários interesses econômicos ligados ao setor.
Acontece que todos estes adversários juntos não fizeram contra o Enem nem 10% do estrago que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e o MEC conseguiram fazer. As ações destes órgãos, desde o anúncio do novo Enem, ora primam pela
incompetência em aplicar esta reforma, ora apresentam um desleixo que chega a atentar contra seus objetivos.
Uma pequena análise de algumas trapalhadas do exame mostra esta realidade. Primeiro, houve erro na escolha do consórcio que organizou a prova no ano passado. A falta da busca de alternativas fez com que uma licitação fosse feita às pressas e o vencedor fosse um grupo sem
nenhuma condição de cuidar do exame. O vazamento da prova, por mais grave que tenha sido, acabou evitando um desastre maior. O MEC até poderia tê-lo evitado ? se, pelo menos, assistisse aos vídeos gravados durante a impressão e manipulação das provas ?, mas outros problemas certamente aconteceriam no dia do exame.
Em seguida, na aplicação da nova prova, descobrimos que a tal Teoria da Resposta ao Item (TRI) não foi utilizada, como prometido. A TRI deveria garantir o mesmo peso para todas as provas do Enem, pois só assim poderíamos comparar o resultado de um ano com o do outro.
Desafio qualquer um a aplicar as duas provas do ano passado, a que vazou e a que foi aplicada, em um grupo de 100 pessoas e obter resultados parecidos. Os dois exames eram muito diferentes. A que vazou, boa, bem feita e de acordo com a proposta, e a aplicada é mal
feita, diferente da proposta, em algumas questões conteudista, mal formulada e com respostas duvidosas.
Após a prova, o Inep conseguiu divulgar o gabarito errado. E a façanha não parou aí: descoberto o erro, demorou mais de 12 horas para a divulgação do correto. Isto demonstra que os técnicos do ministério não tinham só errado a ordem das questões, mas devem ter passado a noite, a madrugada e o começo do dia seguinte resolvendo a prova para indicar as alternativas menos absurdas como corretas.
Já em 2010, o MEC tinha prometido realizar duas edições do Enem, não para se aproximar dos EUA, onde o exame nacional tem sete edições, mas porque algumas universidades que passaram a selecionar exclusivamente pelo exame precisavam da nota de seus candidatos para as vagas de meio de ano. Em cima da hora, o ministério decidiu fazer apenas uma edição, e as cerca de 16 mil vagas do segundo semestre só foram oferecidas para quem fez o Enem em 2009. Tal decisão está relacionada à preocupação do governo federal em não atrapalhar a candidatura do PT ao Planalto. Um problema como o do ano passado poderia atrapalhar a
candidata do governo e, por isso, a prova será no final de semana posterior ao segundo turno das eleições. É bem verdade que a candidatura do PSDB também não foi inocente e trabalhou para impedir que a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) não utilizassem a nota do Enem, ampliando as criticas ao exame.
Também na apresentação dos resultados, o MEC erra. Neste ano, voltou a divulgar as notas médias das escolas do ensino médio no exame, o que até é positivo, se não ocorressem dois grandes erros. Primeiro, o MEC deixou de ponderar as notas, como ocorria nos primeiros anos, quando notou-se que algumas escolas faziam de tudo para que alunos tidos como? ruins de nota? não fizessem o exame. Para evitar de beneficiar estas escolas, passou-se a dar uma nota parecida com a média nacional para os estudantes concluintes que não fizessem a prova. Este ano, o MEC simplesmente esqueceu de ponderar a prova e não falou nada sobre o
assunto. Para piorar, a forma de divulgação dos resultados foi uma afronta a qualquer pessoa que leve a sério a educação. Nos outros anos, podíamos dizer que o MEC só divulgava a nota e quem classificava as escolas como melhores ou piores era a imprensa. Ocorre que este ano
o próprio site do Enem tem uma ferramenta que classifica as escolas, o que mostra que no ministério as pessoas não aprenderam que uma avaliação se faz de forma relativa, olhando onde estava uma escola e onde ela chegou, e não com os números absolutos.
Aí soubemos do vazamento dos dados pessoais das pessoas que fizeram o Enem nos últimos três anos. Isto é grave. E, mais grave ainda, foi a reação do presidente do Inep. Para ele, os dados eram ?reservados? e não, sigilosos. Esta posição é equivocada e revela certo desrespeito
aos direitos individuais. Nossa Constituição garante a vida privada e a intimidade. O Inep precisa saber que algumas das competências e habilidades avaliadas no Enem estão relacionadas aos direitos individuais. Fosse o Inep avaliado por isto, teria uma nota muito baixa.
Por fim, se é que as trapalhadas terão fim, o MEC errou na licitação para escolher quem fará a impressão da prova. Quem se equivocou no ano passado na segurança foi o MEC, por ter contratado um consórcio incapaz de garantir o exame e por não ter ?visto? as gravações da
impressão e manuseio da prova. A gráfica Plural não teve responsabilidade. No desespero de achar culpados e de se livrar da responsabilidade, desclassificou a proposta de melhor preço, sem motivos jurídicos para tal. O que pode acontecer nos próximos dias é a gráfica ser reincorporada à licitação, vencê-la, e o segundo colocado questionar na Justiça o certame. E aí, gente, é impossível saber quando terminará a batalha jurídica e se teremos mesmo uma prova
impressa até o dia do exame.

Mateus Prado cursou Sociologia e Políticas Públicas na USP. É presidente nacional do Instituto Henfil e autor de livros didáticos.
Presta assessoria em ENEM e em Aprendizagem Baseada em Problemas para escolas de ensino médio.
Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br

O maior adversário da revolução silenciosa que é o Enem é o Ministério da Educação

08/31/2010

(texto publicado na FolhaSP, caderno Cotidiano, 05 de agosto de 2010)

O Enem é sério candidato a virar o grande vilão dos estudantes. Faço
um pedido ao Ministério da Educação: por favor, me ajudem a defender a
importância do exame para a melhoria da educação.

O novo Enem deveria servir como indutor das mudanças do ensino médio,
que hoje ministra muitos conteúdos que não fazem sentido nenhum para o
aluno. Ensiná-lo a conhecer, a fazer, a ser e a conviver são funções
que a maioria das escolas não inclui em seus currículos.

Desta vez descobrimos que o Inep, o responsável (?) pelo exame, deixou
os dados de milhões de pessoas disponíveis na internet. Uma rápida
pesquisa permitia que qualquer pessoa soubesse o número de documentos,
dados pessoais e até o desempenho de um candidato.

Listar as possibilidades que pessoas de má-fé poderiam ter acessando
os dados demoraria horas.

O MEC foi claro em dizer que os dados só eram disponíveis para pouco
mais de 200 instituições que usam a nota do Enem. Era só entrar com a
senha para ter acesso.

Convido o MEC a pensar: Será mesmo que estamos respeitando os direitos
individuais cedendo, de forma organizada, dados pessoais de milhões de
pessoas para uma universidade que tem 10 mil candidatos às suas vagas?

O presidente do Inep acha tudo muito natural. Para ele, os dados eram
“reservados”, e não sigilosos. Equívoco.

Nossa Constituição garante serem invioláveis a intimidade e a vida
privada. É por causa disto que todos os editais do Enem até hoje
apontavam que a nota só seria acessada por uma unidade de ensino
quando “expressamente” autorizada pelo aluno.

No meio de tanta confusão, o Inep propôs auditoria completa nas 231
instituições que hoje podem ter acesso aos dados. Mais um erro. Não se
acaba com a febre quebrando o termômetro. O ministério precisa
entender que não tem o direito de disponibilizar os dados.

O novo Enem, como forma de seleção para universidades públicas e
indutor da reforma do ensino médio, tem muitos adversários. Mudar o
ensino médio no Brasil é fazer uma revolução silenciosa. Hoje o maior
adversário disto chama-se Ministério da Educação. Sem trabalhar,
incansavelmente, com competência e sensibilidade, o MEC pode fazer o
novo Enem transformar-se em pó.

MATEUS PRADO cursou sociologia e políticas públicas na USP. É
presidente nacional do Instituto Henfil, autor de livros didáticos e
presta assessoria pedagógica sobre Enem para escolas particulares

Pomares Caseiros

08/05/2010

A cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais, teve um programa muito interessante, chamado Pró Pomar. Neste programa, mudas de árvores frutíferas eram distribuídas para a população.

Apesar de ser um projeto simples e viável para qualquer município do país, são imensas as possibilidades de articulação de um programa como este com as várias políticas públicas implantadas por um governo.

Primeiro, o programa colabora com outros de segurança alimentar. O cultivo de árvores frutíferas possibilita o acesso, a baixo custo, de alimentos de bom valor nutricional para as famílias, principalmente as de menor poder aquisitivo. Escolas, igrejas e outras instituições também podem participar do programa, utilizando os alimentos para a distribuição em suas atividades.

O plantio de muitas árvores na cidade colabora para melhoria do ar e para o aumento da umidade relativa do ar. Todos nós sabemos como são sofridos os dias secos nos grandes centros urbanos.

Em geral são as famílias de menor renda que ainda possuem algum pedaço de terra em casa para poder plantar. A presença de uma ou mais arvores nestes terrenos inibe uma futura impermeabilização do solo. Com mais terra “descoberta” nas cidades, a água da chuva encontra lugares para infiltrar no solo, mantém vivos os nossos lençóis freáticos e contribui para a diminuição das enchentes. Seria interessante pensar em incentivos para que as casas, que hoje não possuem um pedacinho de terra, pudessem mudar seu quintal e plantar algumas árvores.

Outra possibilidade, e talvez a melhor de um programa deste tipo, é articular isto com políticas de educação e saúde pública. Crianças, jovens e adolescentes podem participar do programa através da intervenção das escolas.

Para começar, é uma ótima oportunidade para que se trabalhe a educação ambiental, inclusive com metodologias de atividades com propostas de resolução de problemas pelos alunos.

Também é possível trabalhar a educação nutricional. Já faz tempo que a obesidade tornou-se um problema de saúde pública no Brasil. Várias pesquisas indicam que a chegada das grandes redes de supermercados no Brasil piorou muito a qualidade da alimentação de nosso povo. Até o retrato da pobreza tem mudado. Cada vez mais encontramos obesos entre a população de menor renda, e em porcentagem relativamente superior à de outros estratos sociais. O plantio e cultivo de alimentos pelos alunos pode ser um grande indutor para a implantação de uma política de educação alimentar na escola, em uma idade que as pessoas estão formando sua personalidade.

Educa teu filho

07/30/2010

Uma questão que sempre ficou na minha cabeça é como CUBA, com todas as dificuldades econômicas que tem, consegue ter bons resultados em suas políticas públicas de saúde e educação. Há alguns anos estive na ilha por uma semana justamente para ver de perto as experiências do país.

Um programa, em particular, chamou minha atenção. Trata-se do programa “Educa tu Hijo” (Educa teu Filho). O programa tem como foco o atendimento a crianças em idade pré-escolar que não frequentam as escolas formais de educação infantil.

Lá o programa está integrado ao “Saúde da Família”. É importante ressaltar que em Cuba esse programa é diferente da experiência brasileira. Primeiro, o programa cuida muito mais do que da Saúde. Educação e Assistência Social também fazem parte das ações da política e o visitador é chamado de agente social. No Brasil, o visitador é chamado de agente de saúde e não tem relações com outras políticas setoriais. Em segundo, o PSF tem como base a casa do médico, e não o posto de saúde. Como qualquer pessoa tem acesso à formação em medicina, há um médico em quase todos os quarteirões, ele conhece seus pacientes desde a infância e frequenta a casa das pessoas.

Técnicos do “Educa teu Hijo” definem quais são as competências e habilidades que precisam ser desenvolvidas em cada idade. Os agentes sócias, quando vão a casas com crianças de 0 a 6 anos, orientam cuidadores sobre como fazer com que as crianças desenvolvam da melhor maneira possível suas capacidades. Cartilhas são entregues para que as famílias apliquem seus conteúdos.

Cada grupo de crianças, em geral de 20 a 30, tem um voluntário que fica responsável pelo acompanhamento do desenvolvimento do grupo. Algumas das atividades são feitas de forma coletiva, com todo o grupo de crianças. Toda semana as crianças atendidas pelo projeto têm atividades com crianças matriculadas na educação infantil formal. Educadores fazem reuniões e capacitações constantes com os agentes sociais e com os voluntários responsáveis pelos grupos.

Vamos supor que os educadores cubanos definiram que crianças de até 2 anos precisam desenvolver capacidades psicomotoras, crianças de 2 a 3 a consciência ambiental, de 3 a 4 a educação física, de 4 a 5 a educação alimentar e de 5 a 6 a consciência da identidade e o respeito à diversidade.

Os visitadores, agentes sociais, orientam quais são as atividades a serem feitas em casa, por cada família, para que ajudem no desenvolvimento de suas crianças. As cartilhas detalham as atividades. Os responsáveis pelos grupos organizam encontros semanais com crianças de várias idades. As escolas formais desenvolvem estratégias pedagógicas para os encontros entre seus alunos e as crianças da atividade. Até a UNICEF acompanha de perto o planejamento, a implantação e a avaliação do programa.

O resultado do trabalho, claro e evidente, é Cuba receber alunos com capacidades cognitivas bem desenvolvidas na primeira série do Ensino Fundamental. Qualquer pessoa que tiver a oportunidade de visitar a ilha vai perceber isto quando conversar com crianças cubanas de 6 e 7 anos. Fica a dica de mais uma política pública para uma cidade melhor.

ENEM: AVALIAÇÃO DO ENSINO MÉDIO?

07/29/2010

As confusões do ENEM ainda não acabaram. Uma escola da Avenida Paulista aprontou o seguinte: dos milhares de alunos inscritos em sua unidade e em algumas de suas franquias, escolheu alguns que têm as melhores notas e colocou na mesma sala. Não bastasse isto criou, juridicamente, outra escola e matriculou estes alunos nela. Todos seus alunos estão no mesmo prédio, usam o mesmo material, têm aulas com os mesmos professores, dividem o mesmo espaço no intervalo, mas estão matriculados em escolas diferentes. Uma com muitos alunos e outra com bem poucos. Agora eles querem que o Ministério reconheça que a escola tirou a maior nota absoluta do país no exame do ENEM, e ainda colocaram propagandas com essa informação em vários órgãos de imprensa.

Ora, o que esta escola fez foi simplesmente enganar a estatística. Não foi o método pedagógico que fez com que estes alunos tivessem melhores notas. Eles já tinham esta nota. Em qualquer lugar eles teriam, individualmente, boas notas.

Este caso fica mais claro por ter acontecido no coração financeiro da America Latina, mas é exemplo de estratégias utilizadas por escolas que querem dar a impressão que são melhores que outras. Em cidades menores, tem escola que divide sua turma do terceiro do Ensino Médio em duas. Em uma coloca os alunos de melhor nota, em outra os demais. Separam juridicamente a escola, colocando, por exemplo, unidade 1 e unidade 2. Quando sai resultado do ENEM, elas mesmas ranqueam as escolas da cidade e é possível ver a escola nas melhores e nas piores colocações da localidade. O que vai para a imprensa, através de propaganda paga, é claro, é a melhor colocação da escola. Em todo lugar do país que vou dar palestras ou capacitação vejo propagandas do tipo “A melhor colocada no ENEM”.

Além disto, é comum a utilização de outras estratégias. Já vi escola fazer festa com muita cerveja no dia do ENEM. Acreditam que os alunos de menor rendimento na prova preferem a “balada” a fazer a prova. Também acontece de escolas acompanharem a nota de alunos em simulados. Com os dados em mãos criam sistemas de constrangimentos para que alguns não façam o exame. Deste jeito colocam só os seus “puxadores” de nota pra fazer a prova.

A melhor forma de avaliar o Ensino Médio seria, obviamente, uma prova no fim do Ensino Fundamental e outra no fim do Ensino Médio. A análise dos resultados precisaria ser relativa. O que a sociedade precisa saber é qual a evolução dos alunos nas unidades educacionais.

Mesmo assim o MEC teria de ter muitos cuidados. Hoje o ENADE avalia o Ensino Superior de forma parecida à que estou propondo. Fazem uma prova no primeiro ano e uma no último do Ensino Superior. A avaliação é melhor, mas também já arrumaram em jeito para enganá-la. Algumas vezes, em palestras pelo Brasil, ouvi o relato de coordenadores de cursos de Pedagogia de que fazem de tudo para que os alunos não estudem para a prova do primeiro ano. Desta forma o resultado relativo no último ano fica melhor.

Por fim, é importante entender o que a leitura absoluta, e não a relativa, dos dados do ENEM provoca. A sociedade continua a valorizar o acúmulo de conteúdo e achar que isto é educação. Este equívoco poda milhões de talentos pelo Brasil afora. Quem consegue aprender alguns conteúdos é capaz de aprender qualquer conteúdo quando for necessário para sua vida. Não tem mais sentido sustentarmos uma escola em que nem 10% do aprendido será lembrado pelos alunos. E o que for lembrado servirá para pouquíssimas coisas.

Fazer com que o aluno “aprenda a aprender” é uma função da escola, mas não pode ser a única e nem a principal. O aluno precisa na escola “aprender a conhecer”, para que tenha gosto pela aprendizagem e busque novas experiências em toda sua vida. O aluno precisa “aprender a fazer”, treinando seus processos cognitivos para compreender os fenômenos e resolver problemas reais com os conteúdos que possui ou com os que pesquise. O aluno precisa “aprender a ser”, para que consiga fazer seu projeto de vida. O aluno precisa “aprender a conviver”, para que tenha uma atuação cidadã e responsável na sociedade. Na verdade são estas coisas que o ENEM propõe avaliar quando faz uma prova de competências e habilidades. Mas, divulgando só as notas absolutas e sem esclarecer para a sociedade como deveria ser feita a leitura dos dados, não consegue fazer.